Não sejais fiador II: A punição

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Foto Google

Quem me acompanha nesta coluna já sabe que o primeiro mandamento do direito é: não sejais fiador.

Naquela oportunidade – que você pode relembrar ou conhecer clicando aqui – falamos sobre os efeitos de uma fiança, a implicação sobre o patrimônio do fiador em uma ação de execução e da fiança como forma de driblar a limitação da responsabilidade que protege o sócio de uma sociedade empresária.

Hoje falarei de um caso recente sob minha responsabilidade (resguardado o sigilo, com nomes verdadeiros suprimidos) e que possui contornos muito próximos de um “golpe” que utiliza exatamente da fiança como forma de enriquecimento ilícito (ou locupletamento, para os íntimos).

O caso, em linhas gerais, é o seguinte: uma pessoa, Caio, apresentando-se como um empreendedor de visão, tem uma ideia de negócio muito rentável e próspera. Caio então contata Tício, uma pessoa distante, empreendedora de verdade, que já sofreu com as dificuldades de empreender o Brasil e que passa agora por mais outra crise e dificuldade financeira.

Encantado pela organização das ideias e da aparente boa-fé de Caio, Tício entra de cabeça na ideia! Para passar credibilidade à Tício, Caio afirma que dará como garantia imóvel que, inclusive, será dele no futuro, pois é fruto de herança.

Afirma ainda que no local funciona um negócio da família há mais de 25 anos (uma padaria, que nada tem a ver com a brilhante ideia do novo negócio), mas que agora a posse do imóvel está com Mévio.

Por sua vez, Mévio – que nem se sabe se de fato existe – entrará no negócio também como sócio, arriscando em pé de igualdade com os outros dois, Caio e Tício.

E é aqui, após o terreno estar armado, que o golpe é aplicado: para distribuir as responsabilidades, Caio afirma que Tício terá de figurar como fiador no contrato de aluguel da padaria. Mas, Tício poderá ficar tranquilo, não é mesmo? Afinal de contas, seremos todos sócios de uma mesma empresa de sucesso no futuro.

Além de Locatário e Locador serem sócios, o negócio da família possui, segundo Caio, mais de 25 anos no mesmo local, reduzindo a quase zero as chances de qualquer problema.

Ansioso, Tício pede o contrato para Caio, ávido para ser um diligente (e futuramente, rico) fiador de uma empresa que não conhece, de pessoas que sequer sabe onde moram, domiciliados em outro Estado e somente com promessas, conversas de Whatsapp e e-mails trocados como garantia.

Chega o contrato: claro, em papel timbrado, feito por corretora aparentemente idônea, no qual, inclusive, o próprio corretor representa diretamente o Proprietário/Locador do imóvel – que não está sequer qualificado no contrato (isto é, não possui nenhum dado do real Locador). Mas, a essa altura, pequenos vícios não importam! Tício será rico em breve.

Será?

Imediatamente após Tício comprovar a postagem do contrato assinado, com reconhecimento de firma, Caio corta todos os contatos. Nada mais o alcança: WhatsApp, e-mail, ligações, SMS, cartas, nada!

Caio agora possui o equivalente a um termo de confissão de dívida em desfavor de Tício e irá usá-lo.

No caso real, dois meses após a assinatura do contrato foi o suficiente para o Corretor, em nome próprio instaurar Ação de Cobrança EXCLUSIVAMENTE contra Tício e mais ninguém, nem mesmo contra a padaria – o que, sem certa medida, evidencia a fraude.

Trata-se, todavia, de caso complexo, isto é, em que é difícil desconstruir as presunções legais, quase todas cumpridas.

Mas, é bom que o leitor se atente à ordem dos fatos E SEMPRE CONSULTE UM ADVOGADO quando quiser abrir uma empresa, quando for assinar um contrato, quando for convidado a figurar como fiador daquele seu grande amigo ou mesmo quando não tiver domínio sobre a empreitada que iniciará. O “café” que se toma na consulta com advogado, por mais caro que seja, será sempre mais barato que o “uísque” que se pagará quando a situação já estiver beirando o irremediável.

O desenrolar desse caso, eu conto assim que o tiver.