O primeiro mandamento do Direito: não sejais fiador!

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Quem nunca ouviu a regra de ouro do direito “não seja fiador de ninguém”, que atire a primeira pedra. Essa impressão sobre a figura do contrato de fiança não é à toa, como se verificará a seguir. Como já adiantado, a figura do fiador vem do contrato de fiança, previsto nos artigos 818 e seguintes do Código Civil e é legalmente definido como o contrato em que “uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.

Originalmente, a palavra fiança provém da mesma raiz linguística de confiança e fidelidade, desenvolvidas a partir de uma conjugação do equivalente latino para “fé”. Assim, poder-se-ia afirmar que a fiança seria um contrato em que se instrumentaliza, materializa-se, o compromisso calcado na fé de um terceiro que se compromete a pagar a dívida na impontualidade eventual do devedor principal.

À margem da bela origem etimológica da palavra, o instituto jurídico é um tanto quanto mais cruel do que seu significado. Isso, pois, costumeiramente, o fiador é colocado no contrato como devedor solidário, isto é, não só poderá ser executado o devedor principal – aquele mesmo que aproveitou sozinho dos benefícios iniciais da dívida contraída sem dividir nada do empréstimo ou do imóvel alugado com você –, mas também, e simultaneamente, o fiador será cobrado judicialmente. Desse modo, assim como os bens do devedor principal poderão ser constritos por meio de ordens judiciais que visem à satisfação da dívida, de igual modo poderão ser constritos os bens do fiador. Neste ponto, cumpre destacar que, normalmente, os contratos que preveem a garantia por fiança já vêm com a renúncia expressa ao benefício de ordem previsto no art. 827 do Código Civil, materializando a co-responsabilidade patrimonial simultânea em uma Ação de Execução.

Disso decorrem duas consequências práticas muito importantes no dia a dia do brasileiro. A primeira delas se refere ao sócio de empresa limitada (sociedade empresária) que assume o compromisso de fiador perante dívidas contraídas pela pessoa jurídica. Em última análise, isso retira a limitação da responsabilidade do sócio (art. 1.052 do Código Civil), perdendo ele a proteção patrimonial que a própria pessoa jurídica lhe conferia. Ousa-se, inclusive afirmar, que trata-se de uma forma de encurtar o caminho para a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade (art. 50 do Código Civil e art. 133 do Código de Processo Civil), posto que o próprio sócio já se compromete a pagar o débito com o patrimônio próprio.

A segunda consequência do contrato de fiança se refere à proteção do bem de família, a qual o exclui da penhora por qualquer tipo de dívidas, salvo as exceções previstas no art. 3° daquela lei. Contudo, recentemente, o Supremo Tribunal Federal apreciou alegação de suposta inconstitucionalidade às hipóteses de exceção à impenhorabilidade do bem, nas quais está inserido o contrato de fiança.

Na decisão, restou afastada a impenhorabilidade do bem de família de fiador de contrato de locação, em razão de a autonomia contratual do fiador se sobrepor à proteção que a lei confere ao seu bem. Dito de outra forma, entendeu o STF que o fiador, titular da proteção ao seu bem, abre mão dessa proteção ao se comprometer como garantidor da dívida, garantindo dívida alheia com o patrimônio próprio.

Assim, merece especial atenção o tema, tendo em vista a vasta gama de hipóteses negociais nas quais é exigida a garantia da fiança no quotidiano do brasileiro. Vale a pena, neste encerramento, relembrar o primeiro mandamento do direito civil: não sejais fiador de ninguém – pois, seus bens poderão ser penhorados para pagar a dívida de outrem.